O Cardeal Becciu tem sido assunto de conversas acaloradas nos corredores do Vaticano desde que seu nome apareceu no maior escândalo financeiro da Igreja em anos. Tudo começou com aquele famoso negócio de imóveis em Londres, onde o Vaticano desembolsou nada menos que 139 milhões de euros para comprar uma propriedade de luxo. O resultado? Uma condenação de cinco anos por fraude fiscal em 2023. Mas, para Becciu, isso não significa que ele deva perder uma das funções mais simbólicas do seu cargo: participar do conclave para escolher o novo papa.
Mesmo com o Papa Francisco tendo retirado seus privilégios de cardeal em 2020, Becciu não engoliu a decisão. Segundo ele contou ao jornal L’Unione Sarda, nunca viu um papel oficial nem ouviu, do Papa, uma ordem clara vetando sua participação no conclave. “Fui chamado para o último consistório, então meus direitos de cardeal nunca foram retirados formalmente”, disse ele. Ele foi além e apareceu pessoalmente nos eventos preparatórios do conclave, desafiando abertamente a lista oficial de eleitores publicada pela própria Santa Sé.
A postura de Becciu escancara um dilema complicado dentro da Igreja. De um lado, uma condenação por crimes financeiros graves. De outro, a falta de clareza processual e canônica sobre o que, de fato, tira os direitos de um cardeal. Enquanto seus advogados recorrem da sentença, ele continua afirmando publicamente que é um cardeal pleno, inclusive com direito a voto no conclave, argumento que causa constrangimento entre cardeais mais tradicionais e reformistas.
O confronto entre o cardeal e o Papa não é apenas pessoal. Ele expõe uma tensão antiga entre a busca por renovação e transparência, defendida por Francisco desde o início do seu papado, e a resistência de setores da hierarquia católica, que veem no processo disciplinar uma ameaça à autonomia dos cardeais. A questão vai além das paredes do Vaticano, já que o processo tocou num nervo sensível: o do manuseio de fundos da Igreja e a responsabilidade dos seus representantes máximos. Enquanto Becciu insiste no direito a voto até que o último recurso seja julgado, a discussão sobre quem pode — ou deveria poder — decidir o futuro do papado só aumenta.
Esse episódio recente também levanta dúvidas sobre como a Igreja lida com a privação de direitos de seus membros mais altos. O caso Becciu escancara a dificuldade de compatibilizar condenações civis e decisões canônicas. Afinal, para muita gente, basta uma condenação como a dele para barrar qualquer participação em decisões tão importantes quanto a eleição de um papa. Mas as normas e procedimentos internos da Igreja nem sempre acompanham o calendário dos tribunais civis ou a expectativa da sociedade.
Em meio a tudo isso, Becciu segue desafiando, na prática, uma decisão que muitos consideravam definitiva. Enquanto o apelo judicial tramita, ele aproveita o vácuo legal para manter viva sua presença e o debate sobre até onde vai a autoridade papal — e os limites do perdão e da exclusão dentro da Igreja Católica.